terça-feira, janeiro 31, 2006

Visita de estudo

Comentários no "Livro de Comentários" de uma exposição de pintura sobre Timor aquando da visita de um grupo de alunos de uma Escola do secundário:
"Eu gosto muito de sexo."
"Eu gosto da Tânia mas ela gosta do Ricardo".
Entre outros...
Fiquei sem perceber muito bem se viram a exposição e tiraram elações realmente profundas que a mim me escapam ao entendimento.
De qualquer maneira, o mundo é bonito!

Dúvida existêncial

Farto-me de trabalhar num local onde já não trabalho. Não sei se a isto se pode chamar gratificante.

Sempre Para Massacrar

Vem me visitar todos os meses. Não posso com ele, mas que remédio senão ter que o aturar. Quase que já pressinto a sua vinda. Qual presságio sonho com ele, vejo-o em todo o lado e em todas as esquinas. Às vezes engano-me, a maior parte não. É irrascível, teimoso e cheira mal. Mas há anos que é assim e nunca ninguém o fez mudar. Acho que apenas a idade nos poderá separar. Dizem que só se sente a falta quando não temos. Com ele também deve ser assim. Mas o que mais me intriga é que quando não vem fico angustiada e vazia. Preciso dele para me sentir jovem e viva... este mês ele ainda não veio...ainda o espero, ansiosa e com esperança. Não sei os novos capitulos desta novela, sei apenas que ele existe Sempre Para me Massacrar!

O nossoautista está indeciso! Precisa de férias...


Alguém me diz onde me dirigir?

Quero apresentar Gueixa-Crime por atentado ao pudor!

segunda-feira, janeiro 30, 2006

O caderno

Encontraram o seu corpo debaixo de um laranjal. A barriga à luz da lua. Foi numa noite de verão e cantavam as cigarras. Encontraram-o os cães e logo à sua volta se juntaram as caras sonolentas de toda a família.
As mulheres sentiam o calor trepando do chão e subindo por entre as pregas soltas das camisas de noite. As crianças não traziam sapatos e esfregavam a sola dos pés na humidade da terra.
Os homens, primeiro olharam para as pernas das mulheres através da transparência das saias, depois, olharam para o cadáver.
Migiu longamente uma vaca na fartura da noite.
Um dos rapazes mais novos baixou-se e tentou fechar os olhos ao morto; teimosamente estes tornaram a abrir-se e o olhar parado, a par com o sorriso mole, davam-lhe um ar beato.
Algumas mulheres começaram a rezar baixinho e as crianças riam-se em sussurros e acotovelavam-se umas às outras.
A noite tinha a textura macia de algumas pedras e os homens não diziam nada.
O ventre do morto brilhava redondo como um peixe ao luar. As mãos rechonchudas seguravam um pequeno caderno preto. Os braços emolduravam o abdómen e uniam-se segurando o caderno, pousado no baixo-ventre.
Ninguém lhe toca. Olham.
Uma das mulheres quebra o silêncio.
- Foi por mor dela, que este se matou.
Responde-lhe a noite e as cigarras.
- É chamar um padre - diz um dos homens - antes que lhe caiam em cima as laranjas.
Acenam que sim. Um mais moço vira costas em direcção a casa.
O morto sorri, de olhos na abundância das estrelas e as mãos no caderno. As crianças vão-se chegando às mães, sonolentas, esfregando os narizes nas camisas de noite.
Homens e mulheres em redor do morto, por entre as laranjeiras, reproduzem na memória o rosto daquela por quem ele se matou.
*
Dura de carnes, olhos oblíquos de serpente, chegara num fim de Verão poeirento ao bordel a aldeia.
Não se lhe conhecia o passado e futuro, dizia-se que não tinha. Resumia-se à dureza das carnes, aos olhos rasgados. Destilava encanto. Recebia os homens no seu quartinho caiado do bordel e lavava-se sempre em seguida.
De um que lhe escrevia poemas torpes, não havia água que removesse do seu corpo um indizível cheiro a violetas.
*
De olhos abertos, secos de lágrimas, sob a flor das laranjeiras. Engalfinhado nas mãos, o caderno de poemas.
Chega um padre: numa das mãos a candeia, a outra segurando a bainha da sotaina. O enterro foi feito logo pela manhã.
Uma das mulheres retirou das mãos do morto o caderno e pediu a um moço de recados que o fosse levar à casa das mulheres.
É esta a história de uma prostituta muito velha, enlouquecida pela sífilis, que recebe os homens declamando poemas de amor de um caderninho muito velho e com capas pretas.

domingo, janeiro 29, 2006

Até a um domingo de 2040...

...a neve...caiu do ceú de um domingo...ela foi esperta...não quis estragar a surpresa...teria sido diferente se não tivesse optado por chegar a um Domingo...ela quis chegar a todos...portanto caiu de forma tímida...para não machucar ninguém...amanhã vamos ter uma segunda-feira diferente...temos a certeza...

sábado, janeiro 28, 2006

Vim cá.

"...a maior parte do tempo que estou aqui, passo-os à procura de textos felizes."

sexta-feira, janeiro 27, 2006

O Bairro dos Mineiros, Vais

Existe na Serra da Boa Viagem um povoamento que, em meados do século passado, albergou os mineiros do norte do país que trocaram as minas de volfrâmio pelas pedreiras da Serra. A povoação ainda existe e a maioria dos mais antigos moradores nasceu algures entre a Póvoa do Varzim e o Porto. As casas são caiadas de branco, muito pequenas. Têm canteiros com doce-lima e rosas e quintais com limoeiros e romanzeiras. Por volta das seis da tarde o fumo das chaminés enche o ar. Sobe-se por uma ladeira extremamente inclinada e por isso não admira que a maior parte das pessoas não suba. A meio do caminho mora uma capela pequena consagrada a Santa Bárbara e que alguma coisa deve ficar a dever à gente das minas. As pessoas são na sua maioria bonitas, andam de bicicleta e dão as boas tardes com ar de quem quer mesmo desejar as boas tardes. Conhecem-se uma às outras e a mim, parece que também. No cafezito pequeno onde páro as sextas-feiras, hoje cumprimentaram-me: "Boa tarde, professora, então é um café?" A dona do café reconheceu os meus hábitos ao fim de umas cinco visitas silenciosas e também já sabe que vou para aquelas bandas dar aulas. Da janela da escola primária ainda das do Estado Novo, espraia-se cá em baixo, o mar tamanho, o cilindro industrial das ondas e os seus barulhos de máquina. As crianças cantam no recreio da escola, cumprimentam-me numa vontade de beijos. Os pais, quando as vão buscar, vão a pé e demoram-se a conversar ao frio. Desce-se com o mar ao fundo. O silêncio é sempre grande e sinto que, em lugares como estes, deveria existir um muro invisível que os proteje-se do mundo e de todo o mal.
"Os fantasmas dos antigos castelos da Escócia desapareceram quando as pessoas deixaram de acreditar neles."
António Alçada Baptista; Catarina e o sabor da maçã.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

L'heantonimoroumenos

Je suis la plaie et le couteau!
Je suis le soufflet et la joue!
Je suis les membres et la roue.
Et la victime et le bourreau!

Charles Baudelaire; Les fleurs du mal

Bénédiction

Je sais que la douleur est la noblesse unique
Où ne mordront jamais la terre et les enfers
Et qu'il faut pour tresser ma couronne mystique
Imposer tous les temps et tous les univers.

Charles Baudelaire; Les fleurs du mal


Elle croit, elle sait, cette vierge inféconde
Et pourtant necéssaire à la marche du monde,
Que la beauté du corps est un sublime don
Qui de toute infamie arrache le pardon.
Elle ignore l'Enfer comme le Purgatoire,
Et quand l'heure viendra d'entrer dans la Nuit noire,
Elle regardera la face de la Mort,
Ainsi qu'un nouveau-né, - sans haine et sans remord.
Charles Baudelaire
Fleures du Mal

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Quando a teoria do Bazofismo do Caos invertido e o Bagadotismo se encontram...

"...nenhuma acção é vazia de signo ...
como nenhuma actividade é vazia de significado... e este, que é consensual entre semelhantes, carece de sentido pessoal"

Queixa contra as pessoas que tomam o pequeno almoço no autocarro

As pessoas que fazem demasiado ruído a comer deveriam ser proibidas de andar nos transportes públicos. Pelo menos às mesmas horas do que eu. Bem sei que é egoísta, mas é menos feio do que passar a língua pelo intervalo dos dentes dando pequenos estalidos.
Deveriam, e por esta ordem, ser proibídos os seguintes alimentos:
1) fritos de pacote
2) bolacha torrada, maria ou waffers
3) pão com coisas (e sejam lá elas quais forem, nomeadamente chouriço se não houver o cuidado de tirar a pele que envolve as rodelas).
4) bolachas integrais, com cheiro a arroz mal cozido.
O pequeno almoço é para se tomar em casa, também ninguém se lembra de trazer um tupperware de sopa ou uma marmita quentinha para almoçar enquanto se desloca de A para B.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Quadro estático

Cai o pano. Dormem dois amantes numas àguas-furtadas. O soalho é de madeira gasta. O lençol branco pende para fora da cama e a luz do sol ilumina o corpo do homem. No telhado arrulham as pombas.
São os dois ainda bastante jovens - o rapaz e a rapariga. O ventre dela é liso, lilás; e a mão dele descansa-lhe na curvatura angular da anca.

O pescador já viu de tudo...

Aprazível. Podia ser essa a palavra. Uma mulher aparece morta, bóia à média luz nas águas paradas do cais. E a imagem é, antes do mais, aprázível.
Duas gaivotas e um pescador observam-a enquanto passa: a boca entreaberta e os seios um pouco de lado e fora da àgua.
Passa-lhe entre os braços, por entre as pernas sinuoso, um cardume de peixes. Tainha de rio, pensa o pescador e lançam-se as gaivotas.
A morte viaja lenta pelo cais e tem a forma de uma mulher nua com peixes e gaivotas.
O pescador já viu de tudo. Fuma tabaco de enrolar e cospe pedaços de mortanha para o rio. Tudo passa.

Spielberg tinha razão!

Chego afinal à conclusão que o temor que todos os afectados pelo Complexo de Spielberg sentem é fundamentado.
Este cineasta (para além de ter ganho milhões) pode ter já salvo várias pessoas. O medo que ele infundiu é justificado, das profundezas da água podem, de facto, surgir seres enormes dispostos a fazer-nos a sua próxima refeição.
A consubstanciar aquilo que digo peço-vos que atentem na foto seguinte, tirada em 2003.



TENHAM MEDO! TENHAM MUITO MEDO!

Rantanplan dixit

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Ele há dias...

Ele há dias em que nos enganamos sempre na porta, em que chegamos sempre no momento inoportuno. A vida acinzenta-se por toda a parte. Acabamos por pisar a medo todos os terrenos e a medir firmemente cada palavra. Ele há dias em que nos enganamos sempre no que queremos dizer.
Se não era bem isso, o que queriamos dizer, então que não o tivéssemos dito. Mas já estava. Há dias em que não dizemos o que queremos nem que disso a nossa vida dependa.
É um martírio...

O Complexo de Spielberg

Adoro o mar. Tenho sido frequentemente transportada para perto do mar, quer fisicamente, quer por meio de imagens visuais... algumas descritas e bem escritas, outras por circunstâncias e preâmbulos das minhas sinapses.
Sinto pelo mar muito daquilo que ouço outros dizerem que também sentem, mas como estes são os meus sentimentos, para mim são mais fortes que os dos outros. Adoro o cheiro do mar, que convido a invadir-me sempre que chego à costa. Logo aí apresenta-se a sua presença imponente, imensa, não visto mas já sentido. Esteja bravo, em revoluções de espumas e águas rápidas, ou muito calmo, espelhado ou brincalhão, nunca deixa de ser único.
Vê-lo, cheirá-lo, inalá-lo, senti-lo em toda a volta... não lhe escapa nada, nem o nosso mais pequeno poro. Como é fantástico quando ele (ou ela, como muitos assim crêem) nos deixa entrar e deleitar, fazer um pouco parte de si, como talvez já teremos sido um dia.

MAS ... em 1975 tudo mudou! As sociedades chamadas de ocidentais passaram a ter que sobreviver ao Complexo de Spielberg. Desde essa data, todas as gerações de então, e as futuras também, ficaram afectadas por este complexo. Por mim falo. Quantas não são as vezes em que me sinto isolada e sozinha, a boiar sobre uma imensidão de água à minha volta. Sinto-me de imediato extremamente relaxada, em plena harmonia com a Natureza, mas esta sensação é de breve duração.
Segundos depois de conseguir relaxar, começo a imaginar seres enormes que vêem do fundo daquela escuridão, a imensa massa de água, sendo as minhas perninhas agitadas o isco que serve ao monstro como guia ou farol a seguir. A única reacção possível, depois de variadas imagens mentais deste calibre, é começar com a maior celeridade a nadar de volta para a costa e para perto de mais perninhas agitas. O mais frequente é sair da água e ficar a fitá-la, num misto de incredulidade... sabendo o quão absurdo aquele medo parece ser.
Se for vítima do mesmo tipo de sintomas e não precebe a causa, esclareça-se sobre a sua origem em: http://www.filmsite.org/jaws.html.
A culpa é do criador?
É da nossa mente que intrepreta subjectivamente os sinais?
Será este novo instinto de sobrevivência, vital para as gerações futuras (talvez no tempo do novo dilúvio)?
Será que algum dia voltarei a nadar em paz?
Rantanplan dixit

domingo, janeiro 22, 2006

Do ventre do mundo. Saído do ventre do mundo.
Poema de todos os poemas. Poema de todos os poetas. Centro do mundo.
O ventre da Terra. Tumefacto. Na orla das ondas. O ventre da terra exala ainda um poema. Uma conjugação efectiva de palavras.
Há uma mulher de negro. Benze-se.
É meio-dia. É de Inverno.
Há um homem morto na borda do oceano.
Dobram ao longe os sinos na aldeia.
No mar persiste a memória das caravelas.
Uma memória oblíqua. Eu abro as mãos ao vento.
Jardins da minha infância! Jardins onde eu nunca estive! Como tenho de todos eles uma memória salgada...
Da ressaca das ondas nasce ainda um poema... Prematuro.
Absoluto de virtudes.
Amoral como o meu destino.
Eterno de tempestades.

Sem outras palavras

Todos os poemas que não sei escrever.
Rosas, canela. Campos de trigo. Passa uma rapariga. Cheiro a saudades e a inocência. A espuma do mar em manhãs frias de Inverno. Xailes negros. Olhos claros. Cheiro a algas, madeira e suor.
Cidades, perfumes, mulheres bonitas. Cheiro a asfalto, enredos com demasiada gente. Oito da manhã de noites longas. Caixas de fruta e legumes. Imagens estáticas. Catedrais góticas. Templos orientais.
O deserto...
Onde?
A ressaca das ondas, amanhã, há-de deixar para trás esculturas várias, arabescos barrocos, pegadas de gaivotas.
Quem és tu - quando dormes?
Não há vozes que te cantem. Em poemas boémios, por uma mulher descalça.
Sortes e amores de navalha.
Quem és tu se não te cantam os romeiros?
Há um tango explícito, algures, na nossa vida.
Quem és tu, se não for por ti que gemem de dor e cansaço todas as canções de todos os poetas?

sábado, janeiro 21, 2006

Agora de mim...para ti!

...falei de outras coisas mais cabais. Fiquei sem resposta ás minhas iniciativas. Olhou para mim e afastou-se. Só tive tempo para lhe perguntar onde ficava o quiosque mais próximo, necessitava de pilhas frescas.

Agora sou eu... depois serás tu!

O que será que um estranho quererá ouvir? Subitamente revelei-me numa abundância de gestos. As mãos agigantavam-se neuróticas no espaço. As temporais mãos, produtoras de milagres. Produzi, que o sei, um discurso que poderá ter parecido inconsistente. Não lhe disse as horas, falei de outras coisas mais cabais.

Agora eu...agora tu!

Refratário. Estava na iminência de se tornar num ser refratário. Continuava sentado quando pararam à sua frente. Se sabia as horas certas. O ofício de reparar na sua metade de cima- os pulsos habitavam esse universo. Nunca foi fácil olhar para estranhos. Desculpava-se pelas suas sardas abundantes. O que será que um estranho quererá ouvir?

Agora sou eu... a seguir vem outro!

Sentia-se pela metade como na história do Gato e da Lua, mas como na história sabia que tinha de ficar à espera. Subitamente as pilhas começaram a falhar. Refratário. Estava na eminência de se tornar um ser refratário. Continuava sentado quando pararam à sua frente. Se sabia as horas certas. O ofício de reparar na sua metade de cima - os pulsos habitavam esse universo.

Agora fui eu...serás tu a seguir?

Passavam rodas de automóveis e pernas de pessoas, uma visualização linear do mundo a cinquenta por cento. Sentia-se pela metade como na história do Gato e da Lua mas como na história sabia que tinha de ficar à espera. Subitamente as pilhas começaram a falhar.

Agora sou eu...e a seguir é outro!

Carregou no play do discman e esperou. Passavam rodas de automóveis e pernas de pessoas, uma visualização linear do mundo a cinquenta por cento.

Agora fui eu...depois serás tu!

Sentou-se no rebate da porta e deixou-se assim ficar muito tempo. Carregou no play do discman e esperou.

Agora sou eu...depois podes ser tu!

Sentou-se no rebate da porta e deixou-se assim ficar muito tempo.

Olhou, acenou que sim com a cabeça e não disse nada.

O homem da galp deu o sentido que faltava. A noite foi calma, sem sobressaltos de maior. Mas ninguém transmitiu daquela forma. Estava já virado para mim mesmo, já sem esperança nenhuma em poder dar sentido ao que vi e ouvi.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Um barco no mar

Afundou-se hoje um navio e o mar está todo azul. A quilha adivinha-se ainda no rescaldo da vazante.
Afundou-se hoje um navio num terreno gritante de gaivotas e o sol de Inverno ilumina bem a sua ausência.
Vesti-me de branco, um fato a condizer com o Domingo e vim para a praia fixar os olhos no ponto agonizante onde a quilha se perdeu.
Vesti-me de branco para melhor fixar a sua ausência.
Os marinheiros resgatados bebem e praguejam nos bares próximos da praia. Enchem a noite com o seu riso fácil e as suas tatuagens azuis.
Em tornos deles esvoaçam mulheres que os hão-de beijar por dinheiro.
Há um halo de honestidade na vida destas pessoas.
Bebem vinho barato e dançam, tropeçando sensuais, misturando as carnes.
Vesti-me de branco e juntei-me a elas.

O Nosso Autista está a ficar neurótico

O nosso autista está a ficar neurótico. O escrutínio imparcial dos temas abordados leva-nos a escutar sem ouvir. Damos por nós a chorar a mágoa e a nostalgia do insondável desespero profundo... Além disso, as palavras podem influenciar os outros... mas as acções é que mudam o mundo. Não basta abrir a janela para para ver o que deve ser visto. Não é bastante não ser cego. No pico do inverno o frio torna-se agradável perante o erro de querer compreender mais. De querer compreender só com a inteligência. Ah! O universo não nos despreza!

quarta-feira, janeiro 18, 2006

O melhor do mundo são as crianças

Ausentei-me por dois dias da minha vida, que é como quem diz - estive doente. É muito triste chegarmos à conclusão que se vive inteiramente dependente de um conjunto de orgãos que, nas suas funções, não têm por nós o mínimo respeito. Uma virose rasca, de lineu, e fica uma pessoa dois dias agarrada ao estômago e aos travesseiros sem préstimo para nada que não seja gemer levemente. De vez em quando que também isso cansa.
Tenho um sobrinho bebé. Com cara de anjo e a satânica mania de pregar viroses às pessoas; um bebé com um olhar doce e uma sobrecarga de vírus.
Estive por isso literalmente ausente de todas e quaiquer faculdades humanas durante dois dias. A olhar para os braços, a maldizer todos os membros doridos.
A diferença entre estar vivo e existir apenas é realmente assustadora. Dá vontade de ficar ausente mais uns dias...
Convém dizer que é um luxo, podermos assim tirar férias de nós e do mundo a meio da semana. E ainda por cima perder peso!

Inocente, casual ou propositado?

Caros Autistas,
Experimentem o seguinte: ide ao google e fazei uma pesquisa, inserindo o termo failure, depois basta optardes pela 1ª opção ou de imediato escolher 'sinto-me com sorte'.
O resultado da pesquisa é surpreendente!
... antes que eles topem e mudem ;)
PRONTO! JÁ TOPARAM E JÁ MUDARAM!
A questão é que anteriormente quando se seguia os procedimentos acima descritos, a página a que íamos parar era uma das que faz uma biogafia completa do George W. Bush (esse querido!), mas actualmente os administradores do Google já devem ter sido pressionados e a que encontramos agora é uma página do Michael Moore (um pouco mais querido que o anterior).
enfim ... mudam-se os tempos ...

terça-feira, janeiro 17, 2006

O dom da ubiquidade


Jesus Asperger vem por este meio doar ao Nossoautista o dom da ubiquidade, com algumas limitações. Apesar de, tal como eu, o Nossoautista a partir de agora não ter limitações de espaço e tempo, este dom é circunscrito a Portugal. Assim, poderá estar presente em várias localizações, cidades ao mesmo tempo. A última pessoa a quem doei este dom foi a João Paulo II. Caraças! Não imaginam o dinheiro que gastei em passagens de avião.
Mas, maus investimentos à parte, como bom homem de negócios que sou e com a visão de futuro que tenho, acredito nesta nova aposta. Se tudo correr bem em 2007 estendo-te o dom até Espanha. Hum? Acredita em mim...I've got the power!

Um fim da tarde...

O dia no trabalho lá acabou. Saí do edifício e já sentia um pouco as 'súrvias' que ao longo da tarde fui bebendo. Foram cerca de três à hora do almoço e mais outras tantas a meio da tarde. A culpa é do patronato que nos deixa, grande parte do tempo, a olhar para o tecto e a coçar os tomates.
Descia a rua como sempre, perdido em ilusões de que o Benfica ia ser campeão este ano, subitamente vi-a passar.

Era uma miúda construída habilmente em formas esculturais. Ela usava uma saia justa que lhe delineava as ancas, perante esta imagem imaginei imediatamente como seria divino escarranchar aquela linearidade, fazê-la gemer e contorcer enquanto a penetrava e os seus calcanhares me batiam nos ombros. Depois o meu olhar pousou nas mamas... ui... que monumento à alimentação infantil e ao regozijo masculino. Aí o quadro completou-se, não só a tinha debaixo de mim em contorções de prazer, como também conseguia sentir esses peitos volumosos a roçar o meu peludo.
Dei por mim a segui-la discretamente... queria só proporcionar-me um pouco mais de ilusão, mais um pouco deste saboroso imaginário. Porra, a gaja é mesmo um avião! Um tesão por todos os lados! Enquanto caminhava à minha frente eu observava as suas nádegas a brincarem lado a lado, já me sentia erecto pois neste momento já a penetrava por todo o lado conforme me ia apetecendo.

O cenário estava montado: estávamos num bosque e fodíamos em cima do capôt do carro (que já nem era bem o meu), eu lambia-a de alto a baixo, quase forçava minha língua pela sua garganta a dentro, depois chupava-lhe as mamas e quase que lhe arrancava o leite que elas ainda não tinham. Conforme me ia apetecendo, penetrava-a pela frente e por trás... por vezes até lhe metia o caralho boca a dentro.
E ela sempre a sorrir e a gemer de prazer!

Parei de a seguir, sorria pela feliz fantasia de que tinha podido usufruir.
Eu no fundo não queria nada com ela, nem tão pouco falar-lhe. Pensava na Sílvia que tão amorosamente já me devia esperar em casa. A Sílvia é um anjo! Não lhe posso contar nada disto, ela passava-se, mas talvez ficasse a perceber melhor por que é que hoje vai ter uma foda à maneira, talvez lhe faça um minete e tudo.
Não quero a outra para nada, amo e gosto é da Sílvia, mas este tesão já não passa assim facilmente, mesmo que não esteja erecto, por dentro ardo agora no desejo de me esvaziar em contracções e jactos de prazer.

Ai... Sílvia!
Prepara-te que eu estou a ir para casa!!

A manhã numa conservatória deste País é uma manhã perdida!

Quando não o é significa que já o foi muitas vezes. Os erros constantes, e sem justificação plausível que evite a reincidência, levam qualquer ser humano ao desespero de causa. Quando se consegue alguma coisa já a causa está quase perdida e a paciência por completo.

Aquelas simpatias que lá habitam esqueceram o sorriso em casa e os bons modos foram sanita abaixo, com certeza… Tratar com eles tem tanto que se lhe diga que devia haver recompensa. Como é possível que haja sempre algo para emendar, mesmo quando se fez tudo igualzinho ao que foi emendado na manhã anterior… pela mesmíssima criatura… Pois assim é! Durante o sono os formalismos das escrituras, dos registos e das partilhas dançam numa festa promíscua e alcoólica e pela manhã não são os mesmos… não se cozem com as mesma linhas de ontem!

Este “mundo” é difícil de aturar mas como objecto de estudo e contemplação é fascinante… lembra-nos o eterno retorno do caos nietszchiano… mas é apenas uma conservatória de registos em Portugal!

A Náusea da Timidez

Entredentes ela disse. Sou eu …
Não queria que todos ouvissem e olhassem descarados despindo-a da sua vergonha…
Agora, aos 26 anos, voltava a estar submetida a chamada de presenças e inquirições persecutórias! Nem queria acreditar! Ela que sempre primara pela mais vincada discrição.
Ao ouvir o seu nome chamado teve que erguer a cabeça para fazer a voz soar mais alto. Tão vermelha devia estar…
O formador das sessões olhava a audiência, numa primeira tentativa de decorar as caras, os tiques ou a timidez de cada um. Havia avisado que nenhum iria escapar às questões que iria colocar todos os dias, Todos os Dias! Ela sabia que se não lhe fosse nada perguntado hoje, amanhã seria certamente, e o rubor vermelhão subia de novo às faces escondidas, a sensação de “borboletas no estômago” começava a dar-lhe náuseas insuportáveis, incontroláveis… Tinha que ir à casa de banho, que vergonha! Como se não lhe bastasse já a ansiedade que sentia, teria que erguer outra vez a sumida voz para pedir licença… mas ainda se fosse para atender uma chamada telefónica, sempre daria aquele ar de pessoa com compromissos inadiáveis, para ir à casa de banho…, Oh meu Deus! Que vergonha!
Ela tentou uma, duas, três vezes ser ouvida pelo formador, mas só os colegas do lado percebiam qualquer som… imperceptível. Até que um deles pediu licença por ela… e lá saiu, ela… encurvada de pavor e pânico, ela. Ao ver-se na rua, tossiu violentamente como quem expele um ser odiável de dentro, ergueu a cabeça e seguiu adiante sem olhar para trás…

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Sinto os dedos entorpecerem de tanta angústia controlada, contida para não ter que gritar te de punho erguido: Então e o nosso Amor onde está? Foda-se!
Apetece-me abraçar-me e amar-me mas não tenho forças para o fazer… a tua presença é só um gemido no quarto, quase não me lembro do som do teu riso nem do brilho do teu olhar feliz e limpo. Quando voltares atrás no teu tempo procura a ver se ainda lá está o resto de mim. Porque eu já fui adiante, sem medo de parar, sem poder sequer parar. Não posso respirar sem ti por isso, para não morrer, faço o vento deslocar-se rápido e frio nas minhas faces amolecidas pelas lágrimas. Um abandono inesperado, não calculado, drástico demais para a vida continuar no mesmo sítio, debaixo do mesmo sol encoberto da cidade poluída…

O tom do elogio

Inevitável como constatar que há sol ou chuva é o facto de um dia ser “sexta- feira 13”. A expressão já ganhou aspas e óscares. Conotado como um dia de azar pela maioria, há os poucos que, ao contrário, arriscam jogar o euromilhões “não vá hoje o diabo tecê-las”.
Eu não sei se teve a ver com sorte mas o meu dia começou com o elogio de um lixeiro… sim, aqueles senhores que de manhãzinha varrem as ruas do lixo e das folhas das árvores que morreram secas, aqueles senhores que ninguém repara a não ser que nos digam “Está tão bonita!” no tom mais simples e sincero jamais ouvido…
Eu ia vestida para trabalhar, salto alto desequilibrado e uma saia justa. Nada de confortável, segurança 0.
De olhar apagado e cara esquecível demais, o Senhor que varria a rua disse-me isto logo de manhã e logo quando eu precisava. Assim, ouvi-me, para meu próprio espanto, agradecer um piropo quase enternecidamente.


“Lonely Sunday”

O Domingo à tarde fica ainda mais triste quando chove e quando não tem com quem ser partilhado. Espera-se pelo fim de semana com um frenesim assustador e é triste quando ele passa solitário por nós… é como se não houvesse preparação para a semana que vai entrar, não houvesse renascimento de forças, não houvesse coisas boas e divertidas feitas e partilhadas. Isto porque fomos nós sozinhos a ter um fds… com chuva e frio, num apartamento aquecido com alguém que só dorme ao nosso lado.

domingo, janeiro 15, 2006

Bella Lagosi

1

Limite-se aos factos, menina.
Uma vez que eram três e meia da manhã numa terra do interior onde nunca antes tinha estado, o pedido era difícil de cumprir.
Teresa, 23 anos, orfã de mãe e de avó.
Arrastava de novo o olhar pelas paredes mais fatais das desgraça de estar viva e ser disso consciente.
A luz amarela de uma lâmpada de 40 watts.
A cadeira de madeira fraca como em casa da sua tia.
O falso pendor dos factos como em toda a sua vida.
Teresa. Pequena e anónima até para si mesma.
Estar vivo é um lugar comum. Algo que espanta e magoa.
Mas afinal, o que é que estava a fazer no parque a estas horas?
Estava sentada.
Pois, isso vimos nós. Mas à espera de quê?
De nada. Não é forçoso estarmos sempre à espera.
Se calhar é. Se calhar a resposta é essa e este homem de meia idade com ar de detective de um filme de 3º escalão traz a resposta para todas as suas perguntas.
Pois...
Pois...
E então? Já me posso ir embora?
Poder pode. Mas só há comboios a partir das seis e meia da manhã. Para onde é que a menina iria? E não pense em responder que para o parque. Olhe que a minha paciência também tem limites!
Reparou agora que há um rádio pequeno, mal sintonizado numa estação local.
Eu tenho emprego, num veterinário. Deixe-me ir para casa.
Eu sou bailarina e o meu homem bate-me à noite.
Eu sou um extra-terrestre e vim conquistar o vosso planeta.
Eu sou a Teresa. Deixe-me ir embora.
Oferece-me um café?
Sirva-se. Quer açucar?
Não, muito obrigada. Está bem assim. Sabe, a minha mãe morreu quando eu era miúda e o meu pai nunca mais quiz casar. Entretem-se a fazer moinhos de vento e bonecada de madeira para pôr no jardim.
Moinhos de vento de todas as cores. Flores alteradas, desbotadas pelo sol do mar, no meio dos cactos e de outras plantas que nunca vingam bem. Nunca tivemos jeito para a jardinagem, na família. Faz moinhos de vento, o meu pai. E é mecânico. A minha irmã mais nova vive com uma tia solteirona. Trata-a muito bem, a minha tia. E a mim também. Mas diz que saio à minha mãe. Está sempre a dizer que hei-de morrer nova.
A menina devia ir para casa.
O meu pai, desde a morte da minha mãe, nunca mais teve jeito para nós. Foi por isso que fomos para casa da tia, que era mesmo ao lado. Ao almoço, a minha irmã saía de casa com um prato coberto por um naperon de renda e ia levar-lhe.
Importa-se que fume?
Esteja à vontade.
Acredita em Deus?
Ó menina, essas conversas não são para a qui chamadas. E olhe que ainda não me disse o que estava a fazer no parque. A menina não é daqui, pois não? Como é que veio aqui parar?
De comboio.
Fazer o quê? Conhece cá alguém.
Não, não conheço. Não vim fazer nada. Cheguei cá de comboio. Comprei um bilhete.
Mas tem algum problema? O namorado zangou-se consigo?
Não tenho namorado. Tenho dois gatos.
Pois olhe que a sua história me parece um bocado mal contada. Acho melhor que a menina fique connosco até de manhã e eu mesmo a levo à estação e compro o seu bilhete. Para onde quer ir?
Lisboa.
É de lá?
Não. Vou para lá.
É preciso avisar alguém?
Não. Talvez o padeiro, para não deixar pão amanhã.
Era simpático, o polícia. E penso que já estava convencido de que eu não me encontrava no parque aquela hora por nenhum motivo ilícito. Só não me deixou ir embora por julgar que eu devia ser meio tola. De maneira que fiquei na esquadra até de manhã a fumar cigarros e a beber o café dos que estavam no turno da noite.

2

Pronto, menina. Já se pode ir embora. Dando-me um instantinho também a levo à estação. Olhe, até prefiro. Não vá você perder-se outra vez! E sempre que passar cá pela terra não se esqueça de vir cumprimentar.
O comboio matinal flutua fantasmagórico por campos verdes de trigo jovem, por campos alagados de arroz, por pequenas vilas brancas e dormentes de sono. Campanários largos, onde dormem cães vadios e galos estridentes e trágicos. Sente-se quente, aconchegada pela luz ténue do dia sempre farto dos vagabundos. Pensa na avó e na terra molhada. No frio da terra por sobre os corpos dos mortos no Inverno. Pensa no silêncio da morte que é frio, por comparação ao silêncio dos vivos que queima quando não é desejado. Pensa que não vai para lado nenhum. Se não vai para lado nenhum, mais lhe vale ir para um sítio quente. E é aí que adormece.

3

Ó Joaninha, vai-me apanhar a roupa, filha! Se chove torna-se a molhar tudo. Isto é que está um tempo! Não se sabe se vai chover ou fazer sol e o teu tio também nunca mais chega.
Joaninha voa, voa, que o teu pai foi a Lisboa... A roupa há-de cheirar-lhe sempre a saponária, que é como quem diz que há-de transportar sempre o fantasma da avó. Há-de para sempre trazer nos braços lençóis brancos e o corpo da avó.
E a irmã ao longe, a dormir em comboios perdidos nos trigais e na distância.
Do rádio da cozinha chega eterna e portuguesa a voz de Amália. E por cima, a voz da sua tia, e por cima, o cheiro do arroz de tomate, e por cima, o sol imenso...
Ó tia, leve-me hoje a ver o mar que tenho saudades da praia.
Então e se chove?
Pois não faz mal, molhamo-nos!
Não tens juízo nenhum, cachopa! Vamos sim, que o teu tio nos há-de levar.

"... mas dessa noite o veneno, persiste em me envenenar,
ao menos ouves o vento, ao menos ouves o mar..."

4

"... gritar quem pode salvar-me,
do que está dentro de mim,
gostava até de matar-me!..."

A distância a separar-nos do mundo é a soma dos nossos passos. Ai Teresa! Num comboio para Lisboa... um comboio é uma coisa a fugir, a fugir aos berros. A revolver na distância e no lodo. Eternamente para diante.

sábado, janeiro 14, 2006

Pensamento da Noite

Por vezes ficamos presos no ontem!

Pensamento do dia

Não vá o D.I.A.P tecê-las...cuidado com as conversas telefónicas!

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Eles andam por ai...


fotografia de nossoautista

Champ de blé aux corbeaux

Imagine-se um espantalho. Vastíssimos campos de trigo suspensos no nada e azul. Céu. Estrondoso.
Monocromático.
Na violência seca do mês de Agosto.
Um campo de trigo de espirais amarelas onde Vincent tenha ferido os pés. A alma em convulsões de cor.
Demasiada alma e só. Sempre só.
Que importam os corvos...
Que coisas ouvias? Que vozes de que fantasmas ecoavam no claustro vazio dos teus dias?
Nem sonhos, Vincent, podias sonhar - tal o tamanho de estares só.
Consciente dessa sílaba que te arranhava os pés mais do que tudo.

Um pouco mais de Sol

Qualquer coisa de cor.
Um lenço garrido que vemos passar pelo canto dos olhos.
É assim que sinto os dias - como um lenço garrido que passou breve e ficamos muito tempo com aquelas cores na memória.

Acerca de uma senhora

Deonilde tem noventa e cinco anos. Nasceu no século passado. Os homens eram perfeitos cavalheiros e usavam chapéu com o simples propósito de o tirarem na presença das senhoras. Deonilde fora muito bela, de olhos fundos. De claridades marinhas e luminosidades tais que só poderiam ter existido no século passado.
Hoje tem noventa e cinco anos e um acidente cardiovascular que data da era dos computadores. Senta-se eternamente num cadeirão da sala das visitas.
Os netos e bisnetos rodopiam à sua volta ao ritmo dos dias de hoje e Deonilde espera por visitas que a cumprimentem de chapéu na mão e tão lentamente quanto a sua beleza o exige.
Pousa as mãos sobre o colo e fala sozinha. Baixinho. Segredos que ninguém tem tempo para ouvir. Palavras que já ninguém usa.
Um xaile negro sobre os joelhos e o eterno sorriso das visitas.
Foi casada com um oficial da marinha e o seu irmão fora médico nos Açores no tempo em que as visitas aos doentes eram feitas a cavalo.
O seu irmão tivera um cavalo negro com o qual cruzou o nevoeiro húmido do Faial vezes sem conta. Morreu aos oitenta e dois, faz agora seis anos.
Deonilde espera que a morte a visite. Fala do seu irmão nos Açores. Fala do marido morto no seu uniforme de oficial. A sua vida é toda no passado e já não há razão para estar viva. Ninguém ouve.

Síndroma Smart

Venho apelar aos distribuidores Portugueses da marca Smart que traduzam, por favor, a dita marca para o seu correspondente na lingua de Camões – Chico Esperto.
Os condutores Chico Esperto julgam que podem estacionar em todo o lado e que podem ultrapassar por todos os lados, que têm sempre um lugar à porta de tudo.
Hoje tive o primeiro contacto com uma condutora Smart, vulgo, Chica Esperta, que veio confirmar os meus piores receios.
Foi assim:
Do lado direito havia um lugar. Antes que tivesse tempo de pôr o pisca, mas em clara posição de estacionamento a condutora fez-me uma ultrapassagem pela direita e estacionou a sua amostra de carro. Apitei, esbracejei e dirigi-me a ela. Dissemos-lhe, eu e a minha amiga, que iamos estacionar ali. A condutora berrou: “Mas tu ias estacionar aqui? Atão o pisca pisca? ( qual Ruth Marlene desafinada)”. Perante a sua prepotência de Chica Esperta, respondi-lhe que não me conhecia de lado nenhum para me tratar por tu. E avancei. Estacionei mais à frente e a dita condutora, surge do nosso lado direito a gritar que não é mal educada e que não me tinha tratado por tu. A senhora Smart e Bem Educada rematou a conversa com a cortesia de gritar na rua “Vão levar no cu”. Eu e a minha amiga rendemo-nos às evidências...afinal ela tem estampado no carro que é esperta. Contra factos, não há argumentos.

Excerto de 30 segundos na vida mental do nossoautista

...sei que ouço a filha e o pai Ravi, penso nos E.U.A., bloqueio, recomeço....imito o ritmo da música no teclado do computador...já passou, recomeço e volto a ouvir a filha...canta bem...embala...fico calmo...vou deixar ouvir.....

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Se numa noite de Inverno, um viajante...

Se eu fosse um tango argentino. Fatal como as promessas. Se eu fosse um tango: violinos e navalhas, passos fatais. Mas não. Ou estás demasiado longe ou demasiado perto. Nunca estarás à distância exacta de os meus passos te encontrarem.
E o salto dos meus sapatos fura a noite de chicotes.
- Onde vais pequena?
- Vai bugiar...
A brasa dos cigarros queima. Queima a noite, queima fundo. E o salto dos meus sapatos lança avisos, lança-se longe, perde-se bem nas ruas, em ruas onde é possível uma pessoa perder-se muito.
Se eu fosse um tango arrojado, um compasso certo, uma ameaça... em lugar deste prenúncio de mar vazio de barcos.
A minha vida é eu passar por ela. São carpideiras a vê-la tão lentamente passar.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

A dor é de Morango

Os dias passam gelados enquanto como gelado na varanda interior da casa de praia. Sempre adorei o mar fragoso do Inverno. Sempre odiei gelados no Verão. Os cigarros acabaram ontem e a música que trouxe comigo esgotou-me a paciência, ressoa na sala como um velho disco riscado. Por vezes a sensação que me dá é que te ouço entrar e falar sem parar, interrompendo o silêncio prolongado dos dias. Sinto que não falo há anos… cheguei há dez dias! Tu saíste há mais alguns…
Depois de uma vida torturada pela tua voz crispada, alta, rouca, sem piedade da minha necessidade de refúgios e silêncios, apetece-me voltar a ouvi-la. Só mais uma vez. Agora que a Terra te engole devagar, com a lentidão da eternidade, apetecia-me ouvir essa voz, que estupidez!
Talvez precise de um pouco de maresia… o calor do fogo está a deixar-me triste e nostálgica demais para me aturar… só eu me aturo agora… assim o quis. Nem mais um cigarro me deseja aturar. Anos, não foi? Ou terão sido séculos que vivemos juntos? Aquele cheiro pestilento de ressaca que te era tão característico… onde deixei os braços esta noite? Ai, ai qualquer dia fica lá a cabeça…
Mais gelado? Hum… o morango é o meu preferido. Salpicado de pedaços verdadeiros. Como se alguém quisesse saber disso… Tu nunca o soubeste, não reparavas que o vermelho e o cor-de-rosa eram as minhas cores preferidas, as cores do gelado de morango. E as pérolas as minhas jóias… as lágrimas as minhas companheiras de noite… e o tédio o meu animal de estimação.
Recordo com nitidez o teu toque rude ao fazeres carícias. De vez em quando tentavas gostar de mim. Pedias-me para pintar os lábios e dançar contigo um charleston qualquer… iam altas a noite e a bebedeira, por essa altura. E eu aproveitava-me desses momentos breves em que me deixavas sonhar além das paredes da nossa casa de cidade, amontoada em tantas outras iguais a ela.
Aqui sim estou bem… neste cantinho a cair para o mar… enrolada em mantas de lã a comer gelado de morango. Já não te podes queixar de eu estar gorda, nem eu me vou queixar de pesar demais para as pernas… não penso deixar este cadeirão tão cedo… não penso falar outra vez… aqui sim estou muito bem!
Venço a vontade de seja o que for… não tenho mais desejo além deste gelado, abandonada por tudo vou abandonando tudo e encontrando o refúgio perdido em tantos anos de dedicação a ti… morto e enterrado devorado pela Terra…
O mar está revolto e a sua espuma grita de prazer à lua de Janeiro numa paixão natural. No silêncio aquecido da casa de Verão um soluço contido irrompe de repente, sem convite. “Se calhar… até me fazes falta!”

O eterno retorno da derrota

Tive um dia daqueles em que acordamos com força para mudar o mundo mas adormecemos mudados por ele… … ele é, incomensuravelmente maior, mais forte e incisivo nas decisões do que nós.
Espanto o gato dos cobertores com a urgência de afastar os sonhos e acordar para o dia. Está sol e muito frio. Janeiro. A água quente do duche acaba por me trazer um ânimo novo e pela primeira vez em muitos meses não penso ininterruptamente na hora de voltar para a cama. Estou nova em folha metida nos folhos da saia. Prepara-te mundo porque hoje vou vencer!
Ajudar os pedintes da passadeira não me parece razoável e ignoro-os como não é costume no meu temperamento tendencialmente lamechas. O jornal parece mais pequeno e curto, ridículo nas minhas mãos imensas ansiosas por terem obra… confiante, quero trabalhar, preciso empregar-me, estou disponível demais para mudar.
Chegada ao local onde é suposto fazê-lo sorrio e suspiro. O que há minha gente? Que querem que eu faça? O súbito silêncio precipita-se, o telefone mudo está cansado logo de manhã e a jovem secretária ruiva olha de soslaio a minha figura agressivamente activa, contrastante com a sala impecavelmente limpa de trabalho. “Olhe’ Dra’… parece que hoje vai ser mais um dia daqueles…” e encolhe os ombros enquanto olha para a televisão. Sorrio de tristeza… desapontada teclo qualquer coisa, risco qualquer papel só para manter as mãos ocupadas. Passam horas e começo a sucumbir ao tédio. O sentido que a manhã tinha vai-se esbatendo num tom pastel quase imperceptível de cor e o telefone mudo dá uma gargalhada de escárnio.
Ao chegar a casa, bem tarde da tarde fria de Janeiro, descalça de saltos dou biscoitos ao gato. Sento-me confortável (nem por isso me sinto) na urgência de chamar os sonhos… nunca mais é hora de ir para a cama… Estou velha como um farrapo metida num farrapo de saia. Parabéns mundo, venceste outra vez!


Exemplo de paciência

Alguém cortar o cabelo rente e, deixá-lo crescer novamente.

Se uma gaivota viesse

Hoje vi uns olhos azuis tamanhos que era possível uma pessoa perder-se por eles. Nem bem sei a quem pertenceriam. O corpo é sempre uma paisagem de estranhas tatuagens. Ao largo havia espaço, água estagnada, a violência do cheiro a mar. Eram uns olhos azuis tamanhos que podia uma pessoa facilmente perder-se. Se ao largo era frio, destroços e barcos, eram grandes os olhos. Tamanhos no espaço. Algumas pessoas não existem inteiras, existem completas em desproporção dos membros.

Pois é vida!

"Pois, pois é pá! Deseja que embrulhe ou é p'ra viver já?" (cit. Sérgio Godinho)

A vida tem destas coisas, metemo-nos em 'embrulhanços'. Resta saber se realmente estamos ou não dispostos a enfrenta-la de frente, a correr mesmo que se embrulhem os nossos passos ou que não saibamos bem em que direcção havemos de rumar e que nos estejamos a sentir de cabeça perdida. Preciso é ter objectivos e força de vontade.

Mesmo que por vezes isso implique esperar. Saber ter a sapiência de aguardar pelos momentos certos, mas também sem deixar que as oportunidades nos passem pela frente sem que as aproveitemos. Podemos não ser o primeiro da fila (ou bicha, como eu ainda gosto de usar), mas é válido estarmos nela, de ali termos um lugar. Há que ter preserverança se os objectivos forem válidos, mas também saber reconhecer se estivermos errados. Por vezes a espera exaspera, mas se desistirmos só atingiremos a insatisfação, nomeadamente connosco próprios. A vida implica batalhas diárias, das quais a desistência parece sempre o caminho mais fácil, que traz uma solução pouco trabalhosa, eficaz e imediata. Mas esta solução não traz o mais importante: A auto-realização!

Se estivermos certos daquilo por que queremos lutar, nada nos demoverá. Se soubermos que atingindo algumas metas chegaremos a lugares ou situações que ambicionamos, como podemos esmorecer e não ter vontade de lutar.
Mesmo quando nos tentam passar a perna ou alguma rasteira manhosa, não devemos deixar que isso nos desencorage, bem pelo contrário, deveremos ficar ainda mais motivados para vencer a resistência e lograr por alcaçar as nossas metas.

De facto o mundo está cheio de contradições e gente mal intencionada. A cada esquina pode haver um inimigo, em vez de um amigo como nos dizia o Zeca. Vivemos num mundo de sobreviventes, uns merecem outros não. Uns lutaram e gragearam os louros devidos. Outros não lutaram, mas desonestamente grangearam o mesmo também. Há quem lute e não vença, mas nisso consiga sentir também uma vitória. Há também os que não lutam e os que desistem.

Quais queremos ser? O que vamos querer pensar de nós próprios se um dia chegarmos a velhos? O que queremos nós da vida? Como a havemos de viver?

Vivamos bem!! Aproveitemos o ar que nos dá vida e nos refresca!

Deixemo-nos de receios e antecipações pelo futuro. Façamos o que é dificil para depois nos podermos orgulhar das tarefas realizadas. Libertemo-nos de falsas preocupações.

Tal como crianças acho que devíamos rir com o que tem piada, brincar com o que é possivel, mas nunca esquecer que já somos grandinhos, temos lutas a travar e responsabilidades por cumprir. Ainda bem que assim é! Só assim 'o mundo pula e avança' e só assim também nós adultos nos sentimos merecedores de momentos de lazer e descontração!

'Pois é vida! Pois, pois é pá! deseja que embrulhe ou é p'ra viver já?'

A meu ver melhor é viver já!

Rantanplan dixit

(a teoria sei-a bem, agora a práctica...)

Quebra Cabeças

O que é que há em comum entre a gripe das aves, a actividade sismica dos últimos dois dias, o clube de strip Passerele e o tráfico de mulheres, e quatro gajos na sic mulher a falarem de calvice e gajas?

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Homens II

Depois de falar em homens enclausurados, poderíamos falar de homens que querem enclausurar.

Em época de eleições presidenciais, que melhor exemplo do que estes candidatos.
Sinto-me impotente e sem opção de reacção. Nenhum parece honesto, nem coerente, deixando então em aberto a dúvida se serão ou não pessoas indicadas para o cargo a que concorrem.

O que os motiva a concorrer?

Todos afirmam que o fazem por Portugal, mas nisso não é possível acreditar. Algum português de gema iria andar em tanto boliço por amor à pátria e por vontade de servir a nação? Imagina-se, o caro leitor, em tamanha agitação exclusivamente com o propósito de poder servir o povo? Mais do que isso, será possível alguém acreditar que, dos candidatos em questão, algum é motivado por tão nobres propósitos?
Não será muito mais plausível imaginar que o que os motiva poderá ser a sede de fama e poder, o prestígio associado ao cargo e o reconhecimento público?

Alguns destes candidatos só se sentem capazes de concorrer, devido à alta taxa de doentes de Alzeimer presente na população portuguesa. A questão é que alguns destes senhores já estiveram de bundinha alapada em assentos governamentais, mas como (devido ao Alzeimer, é única resposta plausível que encontro) os portugueses facilmente esqueceram as consequências trágicas das suas passagens pelos ditos assentos governamentais, assim eles sentem confiança para voltarem a pôr os 'corninhos ao sol' e ambicionarem alaparem novamente as suas bundinhas (umas mais ossudas, outras mais flácidas...) em cadeiras forradas a poder e falsa gorvernação!

Apesar de haver candidatos do sexo feminino o seu nome é pouco conhecido. Todos a que estas candidaturas se referem, fazem-no sempre com um ligeiro sorrisinho de escárnio, descrédito e até condescendência. A questão é que, sendo do sexo feminino ou masculino, qualquer das candidaturas actuais prima pelos chavões habituais, pelas promessas de sempre, os beijinhos
às peixeiras e pela mesma sede de poder!

Porque será que as pessoas honestas e íntegras não se candidatam ?
Como é possivel continuarem incessantemente (eleição após eleição) a incentivarem o meu voto em branco?

Rantanplan dixit

sábado, janeiro 07, 2006

Homens

Esta semana fui visitar uma prisão. Um senhor de 1m50, óculos, fato e gravata fez as honras da casa. Orgulhoso recebeu a excursão de “senhores doutores” quais crianças entusiasmadas com uma ida ao zoo. Sentámo-nos numa grande mesa redonda onde o sol irrompia janelas adentro. O senhor de 1m50 sentou-se à cabeceira e disse num tom grave e paternal que iriamos ver um dos maiores espectáculos da humanidade - o hominus reclusus. Luzes, música, tambor! Qual Vitor Cardinali fizeram-se as apresentações do melhor do espectáculo: o guru do sitio, um sujeito irrecuperável tal e qual uma “ árvore que nasce torta e jamais se endireita”; a espectacular “arrumação de homens” em alas; a unidade livre de drogas e a ala dos horrores...
Nas pausas fazia questão de transparecer um olhar conhecedor e vivido. Avisou também as senhoras que iriam ouvir piropos, porque eles (rindo-se traquinamente) “ não vêm mulheres com muita frequência.”
Depois das advertências lá entramos. Chaves, tilintar, abre-se uma porta, fecha-se outra.
A Unidade Livre de Drogas é um corredor escuro, sem sol e muito comprido. Ao longo do corredor estão os quartos de dormir do hominus reclusus. Refira-se que este para além de ter perdido a sua liberdade, perdeu também a sua intimidade. Ao longo do corredor o tal senhor fez questão de abrir várias celas por onde a excursão entrava entre cotovelázios e empurrões, tal era a curiosidade.
Ao fundo do corredor, a biblioteca, onde um professor de música ensinava alguns acordes que se confundiam de forma barulhenta com o eco provocado por 1000 homens.
Nesta unidade os Hominus Reclusus têm tarefas. Tarefas mui dignas e motivantes, como o ponto cruz, arraiolos, pintura de azulejos. Como consolo ficou o sorriso da disputa clubistica bordada em lã, predominantemente verde ou vermelha, com um leão ou uma águia, conforme as preferências.
Depois a tão esperada visita. O ponto alto. A visita à ala dos horrores. Entramos avisados para não nos afastarmos do forte e corajoso guia. Chaves, tilintar, abre-se uma porta, fecha-se outra.
O mesmo corredor escuro, a mesma falta de luz. Aqui já não se borda, não é uma unidade livre de drogas. Fala-se e fumam-se cigarros. Afinal não era o espectáculo prometido! Tinha sido burlada! Eram os mesmos homens, mais entediados, menos curiosos por ver quem passava. As mesmas camas, as mesmas horas. Ao fundo do corredor a mesma biblioteca, sem música. Em vez disso um senhor amabilissimo (acho que era o irrecuperável), o guardião dos livros e revistas, que se mantinha ocupado em ter sempre o espaço em ordem.
Chaves, tilintar, abre-se uma porta, fecha-se outra.
Quando cheguei a casa ouvi uma boa noticia, parece que o governo quer transformar todas as alas em Unidades Livres de Droga.

Errata

Refira-se que Happy Autista é um trocadilho em que o estrangeirismo utilizado deve ser interpretado à letra. A aparente designação patológica deverá ser interpretada como nome próprio, melhor, sobrenome do nome próprio Nosso.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Mensagem para um Ano Novo Assim-assim

Vivemos num mundo assim-assim. Vamos indo assim-assim, menos mal, obrigada. Prometemos coisas assim-assim sabendo que só nos ouvem um bocadinho: assim-assim. A diferença entre a humanidade e uma couve flor torna-se rarefeita, é uma diferença assim-assim e nem toda a gente gosta lá muito de couve-flor, é um legume de que se gosta assim-assim.
Dado o panorama, as expectativas tendem a ser assim-assim, mais ou menos boas, mais ou
menos más, não importa muito. Importa assim-assim. Ficar em casa ou ir para os copos com os amigos são opções que flutuam vagamente no espaço, uma não é melhor do que a outra, são vagamente assim-assim.
O adeus, é uma coisa que costuma dar dois dias antes do fim. eitas as contas por alto. Assim-assim.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Happy Autista

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Um ano novo para os nossos autistas!

terça-feira, janeiro 03, 2006

Sim, já estamos em 2006!

Que lindo foi! Quando não se criam expectativas, as hipóteses de sairmos desiludidos são parcas!
Vou contar um pouco. Depois de jantar, beber e conviver, o grupo recentemente formado dirigiu-se a um prédio alto. Soavam as badaladas quando no céu explodiam cores... três do quatro sentiam a falta da sua perna ausente, mas sabiam que os corações batiam sincronizadamente em uníssono.
...
A partir daqui só posso contar breves excertos. Iria sair da minha descrição um quadro semelhante a uma manta de retalhos, uns que eu lembro, outros que me contaram. Mas sei que foi muito divertido, albergo cá dentro essa satisfação!
Este ano não ia tomar qualquer tipo de resolução, mas acabei por tomar uma logo no dia 1: "vou moderar o consumo de álcool quando me quiser divertir" (é lixado não saber bem os contornos de tudo... levanta hipóteses, deixa incertezas... enfim, não curto!)
...
Hoje que, tal como o autista, sinto alguns neurónios a voltarem à vida deleitei-me a ler. Nada menos é que um deleite, pois aqui encontrei vozes tão familiares por palavras que não estou habituada... umas anónimas, outros que se revelam, e aquelas anónimas, também, que todos vêem quem são!

Senti, impelida por tão enriquecedora leitura, que era o momento de deixar de lado esta preguiça que me é inerente e tentar de algum modo explicar os primeiros passos no Método Rantanplan.

Já li algures citações ao manual. É MENTIRA!

Será que poderemos incluir como práticas do dito Método, o esbarrar de cabeça contra um ferro que nunca deixou de estar ali?

Por exemplo, pode ser:
- Ir sair à noite em grupo, nessa precisa noite em que se decide levar carteira e no seu interior a máquina volta a sair também! Dentro da carteira cabe tudo e, de facto, vai lá tudo, tal uma mochila do Sport Billy.
Depois de muito andar, por ruas repletas de maralhal (pois era mesmo muita gente e de muitos géneros diferentes) o grupo pára. Esta pausa serviu também para este cérebro pequeno perceber que falta a dita carteira repleta de tudo!!! (instala-se o pânico)
Quatro pernas desatam a correr em aflição e sobressalto, pensando suas respectivas cabeças, que jamais este erro teria reparo.
Mas não!
Pousada em cima de um carro, ali esperava ela obedientemente, aberta como lá foi esquecida e rodeada por inúmeros desconhecidos que convenientemente a tinham ignorado. Estava lá tudo, ninguém realmente lhe tocou!
Bravo!

A questão que deixo em aberto é simples, mas é daqui que parte todo o pensamento filosófico do verdadeiro Rantanplan!!

Será possível um canário e um inspector relacionarem-se bem?

Rantanplan dixit

Já estamos em 2006?

Esta mensagem é pessoal e intransmissível: a transicção de ano não foi fácil para o Nosso Autista. Só agora parece estar a acordar para o novo ano! Os seus membros ainda estão adormecidos. O cérebro funciona apenas com dois neurónios que lhe permitem somente saber que está vivo. Amanhã espera recuperar os restantes.