terça-feira, fevereiro 28, 2006

Submerssão

Era muito tarde, tarde demais para ser possível ter pensamentos dirigidos. A conversa escapava-se-me por entre os dedos num entendimento nulo. Uma nuvem de fumo velava as expressões das pessoas, as bocas que se abriam e fechavam produzindo palavras que não me apetecia ouvir. Acabei o que me restava da bebida. Lá fora estava frio. Fiz o caminho para casa ao som de um refrão que pensava ter já esquecido, "Home is where you go, when you run out of places..."

sábado, fevereiro 25, 2006

À espera de Godot...

Perfeitos anjos, nas escandalosas memórias que tinham. Na pele, nos cabelos, no brilho dos olhos.
Perfeitos. Nus, amorais, renascentistas. Eram frescos nas paredes da sua alma. Revelavam profecias. Mudos lábios húmidos.
Eram perfeitos corpos, vitimados pela sede. Caídos pelo chão, nos palácios amplos dos seus pensamentos.
E os seus pés, de volta a casa, (numa manhã muito clara), tocavam-lhes ao de leve. A biqueira suja das botas na sua pele rosada e fria.
Um antebraço, a curva litúrgica do dorso, um ombro, um calcanhar, a prega fina das nádegas.
Deixava minúsculos pedaços de lama na brancura desses corpos. Perfeitos que eram.
Mortos à sua espera. Como jovens flores fanadas.
A luz, pelos vidros quebrados das janelas, bombardeava-os em cheio nos rostos.

San Sebastian e as Couves Galegas

Acordo com o telemóvel, são duas e trinta da madrugada, do outro lado da linha, a minha mãe chora com medo de morrer. Falamos durante algum tempo, não sei o que lhe diga. Não tenho jeito para clichês e barrico-me teimosamente na certeza de que ninguém morre.
Sábado de manhã e toca o telefone, morreu a minha antiga professora de história, vizinha e amiga. Vítima de doença prolongada.
Considero-me desde já e torno pública a informação, estou absolutamente farta de cancros!
Dou por mim a pensar nos quintais de couves galegas que por várias vezes vi a caminho de Guarda. Fui por umas duas vezes de carro percorrer a costa basca e os quintais de couves galegas perto da fronteira portuguesa deixaram-me para sempre a idéia nostálgica de que deixar o meu país tem alguma coisa a ver com couves galegas.
Faz falta a terra em que esses monumentos cresçam espontaneamente. Faz falta uma casa no campo em que as pessoas morram alegre e pateticamente de morte natural, vagamente caquéticas.
Quero ir-me embora. Aceitam-se patrocínios.
Convém acrescentar, em abono da verdade, que este é um texto sem pretenções literárias, um mero desabafo xaroposo .

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Vida Citadina

As ruas enchem-se de realidades diversas.
Somos todos tão diferentes uns dos outros, uns levantam-se cedo demais, outros vão em stress de tão atrasados que voltam a estar. Existem aqueles que só de olhar vemos que levam vidas difíceis, outros parecem levá-la fácil demais. Somos todos tão únicos! Nos transportes apertamo-nos como se irmãos fossemos, mas depois desviamos o olhar e não nos permitimos o contacto corporal intencional. Uns lêem, outros ouvem música, alguns nada fazem e há até quem durma. A regra é não invadir o espaço alheio, não estabelecer contacto. O contacto fica reservado para os colegas de trabalho e ainda mais para os amigos.
Nos dias citadinos todo o minuto por vezes é crucial, como a diferença entre apanhar o metro às 8h05m ou às 8h13m, no primeiro caso vamos sossegados, ainda arranjamos lugar, no segundo vamos comprimidos e espalmados de encontro a mil desconhecidos, todos indiferentes ao que acontece (é o hábito).Cada indivíduo cria a sua própria bolha protectora. O tamanho desta bolha vai aumentado ou diminuindo consoante as necessidades e possibilidades do espaço circundante. Exemplo disto são os lugares públicos onde podemos sentar e descansar um pouco, seja porque nos apetece ou porque temos que esperar por algo. Se tivermos à escolha duas correntezas de bancos, vamos escolher sempre aquela que está mais vazia e mais distante de alguém que por ventura já se tenha sentado antes. Num contexto de muito espaço, o mais natural é não nos aproximar-mos de quem ali está e até de ficarmos ligeiramente incomodados se outro alguém não respeita estas regras subliminares. Por outro lado, num contexto de falta de espaço, o nosso critério de escolha altera-se, mesmo o nosso ponto de ofendimento passa a reger-se por padrões diferentes. Neste contexto de super-lotação achamos mais que natural que alguém se sente ao nosso lado, em vez de no outro banco mais distante (os bancos são raros - há que aproveitar), também não nos ofende sobremaneira se alguém que vá em pé espete o cotovelo na nossa nuca, ao fazer esforços hercúleos para se manter equilibrado.
Há quem prefira ter a sua bolha bem estabelecida, para tal andam quase sempre de carro e preferem dar-se exclusivamente com aqueles com quem trabalham e aqueles que fazem parte da sua rede social. Não são poucos os que por esta via optam, apesar de frequentemente demorarem mais tempo a chegar ao destino do que se utilizassem os transportes públicos (para além de passarem a ter um comportamento mais responsável para a preservação do meio ambiente). Se atentarmos bem num verdadeiro engarrafamento, atolado de carros, camiões e afins, todos parados e à espera da oportunidade de furarem para uma faixa que está mais rápida ou de se meterem por um atalho. Aí podemos observar algo curioso: os carros quase que nos servem como bolhas. Chocante é verificar que a maioria destas bolhas de facto só transporta um passageiro. Ao demorarmos os olhos por um engarrafamento é isto que podemos ver, milhões de carros a fazer barulho e a expelir gases, cada um deles ocupado exclusivamente por um motorista, ou seja, um carro por pessoa. Desta perspectiva quase que nos podemos imaginar a afastarmo-nos céu acima, ver bem o aglomerado e tentar imaginar como seria aquilo sem os carros-bolha, provavelmente veríamos um grupo de pessoas, distribuídas de forma semi-organizada, mas dispersa, todas a distarem entre si cerca de 2/3 m2.
Isso, e muito mais, faz parte da vida citadina. No entanto, mexemo-nos pelos memos sítios, usamos a mesma linguagem e obedecemos às mesmas regras (as estabelecidas pelo Pacto Social, do qual nem consciência temos que assinámos).
É assim...
Rantanplan dixit

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

"Meu amor, minhas boninas. Minhas saudades caninas."
Este é o extrato de um poema escrito por uma mulher do campo, de seu nome Vitalina, abandonada pelo homem que a deixou em braços com um filho meio bronco, dois porcos, um campo de nabos e a criação das galinhas.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

O meu coração

Tenho perfeita consciência do meu coração, máquina horrenda de bombar sangue. Tenho perfeita consciência das suas impertinências de músculo com ambições metafísicas e sem respeito nenhum pelos meus cansaços.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

The Gathering

O corpo estava estendido no chão. Já não tinha vida, abandonado no alcatrão húmido… Tinha cerca de 26 anos o rapaz ali estendido no chão. A multidão acotovelava-se louca para poder ver os despojos da vítima. O carro que o atropelara já devia estar bem longe, quem sabe onde… e a multidão injuriava sabe-se lá quem…
A única certeza ali era o rapaz estar morto… “Tão novo!” A ambulância tardava e a multidão praguejava contra a demora…
Passado uns minutos já havia carros parados nas pontes que passam por cima da auto estrada, multidão também ali desejando ter trazido binóculos, ou pensando na forma de dar a volta para poder apreciar bem o cenário do acidente.
A ambulância chegou tarde e em vão… a morte foi imediata, o abandono também, talvez o remorso também tenha sido automático, para sempre o remorso de quem mata e foge… foge de quê? Da imagem que quem não matou deseja guardar… e para isso corre, sádica e fria.
O rapaz, o que dele restava, foi levado num saco preto… mas não era lixo, era um rapaz de 26 anos… A multidão não perde pitada da cena. Vibra fingindo que não quer ver, com os dedos abertos à frente das caras… Os da ponte continuam parados num concílio demorado de atracção pela desgraça. Comentários de todo o tipo e lamentos vários… o rapaz foi levado no saco para a morgue. Vai ser identificado e uma sombra vai abater-se sobre quem o conhece… para sempre. A multidão regressa ao dia-a-dia, lentamente dispersa…

Casa Mota

Chovia torrencialmente e o vento arrastava sacos plásticos, ramos de árvore e outros detritos. Sinceramente, talvez não coubesse na cabeça de ninguém ir passear para a marginal da praia. Coube na nossa. Fomos parar, domingo à tarde, à Casa Mota, onde o Senhor Mota se lembra muito bem dos meninos e a D.ª Graça vai fritar um peixinho e o filho dos dois recorda episódios distantes. É bom ser tratado nas palminhas numa taberna de Buarcos. A parte de cima é agora um restaurante bonitinho, mas na cave, a mesa comprida de madeira ainda é a mesma. E os pescadores sentados à frente de pratinhos de feijoada também, habituados a "esta malta nova que gosta de comer e beber". Buarcos ainda faz parte do nosso imaginário, a Casa Mota também. Estamos todos mais velhos, encontramo-nos menos vezes, mas quando acontece, é bom. Lembrámo-nos entre risos da minha bicicleta, veículo comunitário que resistiu mal aos nossos ímpetos. O T. é pai e continua surdo que nem uma porta. Há uns anos, jogávamos basquete, antes de vir para aqui. O Paulo trouxe uma namorada muito bonita, de Lisboa e a certa altura o Vitó tinha a língua enfiada na boca dela. Coitado do Paulo, nunca teve muita sorte. Quanto ao Vitó, sempre teve a capacidade de nos entreter... Enquanto o Sr. Mota não fechar a casa, havemos de gostar das tardes de Domingo. É quase noite quando nos separamos, que a segunda-feira toca a todos como uma moléstia. Hoje a boca sabe-me vagamente a papel de jornal, mas não faz mal - il faut s'y faire...

domingo, fevereiro 19, 2006

Domingo

Dormente como um dia de chuva. Dormente porque chove. Todos os meus amigos estão a hibernar. Quando confrontados com a pergunta "então, não te apetece sair?", as respostas deles e delas dividiram-se entre as seguintes: "Já estou de pijama e com os pés ao fogo, amanhã...", "estou em casa dos meus pais a jantar." ou "és maluca? Já viste o temporal?". E pronto, mais um sábado de clausura em que aproveito a raiva e os inpropérios que lanço ao mundo em geral para ler todos os artigos que já haveria de ter lido e ainda não tinha tido pachorra...
Pela janela vejo o granizo cair em cima da estátua do jardim, uma enorme preguiça nua a que falta metade de um pé e os dedos da mão esquerda...
Domingo não é um dia da semana, domingo é um estado de espírito...

sábado, fevereiro 18, 2006

Tenho saudades de adormecer ao sol e acordar com a pele a estalar de sal.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Noite

A prepotência do toque é assumida como um horror que desconcerta.
Existes. Na ausência absoluta das mãos. Na negação da pele. Flagrante como um pensamento. Penso - nuca, dedos e tremores. Mas não as minhas mãos na tua nuca.
Dóis-me como um cravo em Abril.
A arquitectura orgânica do corpo.
Olhos. Abraço os meus olhos e descem cansadas as pálpebras.
Noite e orvalho. Seguro navalhas.
O teu corpo é uma paisagem torturada de imprevistos. E não se pertence.

Gostava de saber que drogas é que o tipo tomou...

"I am the Beast. I am the Word of the Aeon. I spend my soul in blazing torrents that roar into the night, streams that with molten tongues hiss as they lick. I am a hell of a holy Guru"
Aleister Crowley

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Etimologicamente falando...

Hoje, num café, ouvi um senhor queixar-se de VERPES labial...verpes, de vermes nos lábio!

Hermes Trimegisto

Findo o primeiro trabalho da obra. Separados os horrores, é altura de preparar os cadinhos e acender a chama. Levará muito tempo. O tempo é uma imperfeição nossa. Mais não é que a eternidade a repetir-se. O branco, fábula das fábulas.
Tudo ao contrário. Está tudo ao contrário.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Choveu, a medo, sem molhar bem as pessoas, sem nos lavar como deve ser. Choveu só a sacudir vagamente as ruas. Assalta-me por vezes a raíz de todos os medos. Era bom que alguém me passasse a mão pela cabeça. A noite hoje há-de ser permatura. A qualquer hora em que chegue. O fantasma da morte paira inutilmente perto. Não sei o que lhe possa crescentar.

Respeitinho é bonito...

Paisagens

Sinto falta de ver o céu. Da minha janela só vejo janelas. Conforta-me saber que ali ao lado há vidas paralelas...

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Cheira a laranjas e a desespero

Ainda não é noite mas está quase. Cheira a laranjas e a desespero. Intimamente, como o cheiro íntimo de um braço em repouso, como o cheiro íntimo da pele do rosto ou do fundo das costas. Anoitece vagamente e as dunas da praia são ancas largas, despidas. Hipoteticamente inertes. Sente-se o nevoeiro na ponta da língua, os cabelos colados a toda a largura do pescoço e sempre o vento. Cheira a algas e a dias de procissão, cheira a fé e a promessas. Não se vê nada, por entre a tarde gasosa. E é quase noite. Vê-se o suficiente, para antever os gritos das gaivotas, os barcos à barra e um sorriso brando na boca de algumas pessoas.
Penso em ti, deixo arrefecer o café e digo que o mundo é bonito.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

E eu disse-lhe assim

"Há coisas que nunca sei. Por exemplo nada de ti.", disse ela. E eu disse-lhe, sabes o bastante, que estou presente e que pertences à minha vida. Mais ou menos isto, por outras palavras, e escrito. Que os nossos diálogos não são retirados de um guião do César Monteiro. É quanto basta, de um amor que se eterniza por nunca se ter feito presente.

A minha cidade

A minha cidade é lassa. A minha cidade é devassa, amoral e estranhamente alheia.
Abre-se tanto às ondas do mar que parece estar sempre a pedir que a deixemos, que nos vamos embora.
A minha cidade é uma amante sem brio, oferece o corpo à despedida.
Terminal e vagabunda, sabe talvez que haveremos sempre de lhe regressar ao leito.
A minha cidade é, definitivamente, uma mulher; tem por segredo o calor do interior das coxas.

sábado, fevereiro 11, 2006

308

105.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Histórias banais

Histórias banais. Rodeava a vida de banalidades. Fingia todos os sonhos que poderia realmente ter sonhado e sorria a enganar as horas.
A sua passagem pela vida era o substituto do que poderia ter sido a sua vida. E as lágrimas amargas que não se dava o prazer de chorar corroíam por dentro todos os seus projectos.
Histórias absolutamente banais: uma mulher sozinha no meio de uma trovoada. Um homem a chorar no banco de um comboio em marcha. Uma criança cega.
Faltava-lhe ainda concluir os dias.
Uma faca afiada brilhando convulsa na noite. Os seus dedos - a mágoa dos seus dedos a descer pela lâmina e nem assim chega.
Cambaleia inexpressivo pela avenida. Junta-se à multidão sagrada dos bêbados e dos permaturos do destino. Passa. Passa assustado. Pára sem se resolver. O rosto escondido na orla do casaco.
Passa veloz agitando a noite e são só sombras o que produz.
Sombras e o gume de uma navalha. Que não sabe ao certo para que lhe serve mas que lhe faz companhia ao hábito de ser em tudo covarde.

Joaquin Cortez Versus Os feriados à sexta-feira

O computador da minha amiga tem como screensaver uma fotografia do Joaquin Cortez,abraçado a ela no Noiras, que é onde tomamos café todos os dias. Melhor do que isso, só os feriados à sexta-feira.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Homens, vulgo, machos latinos com orientação sexual reprimida

Hoje provoquei um acidente. Culpa indirecta, claro. Mas ouvi uma boca: "és tão bo@ que até provocas acidentes"!
Este é só um exemplo do grande livre de bocas de homens que à hora de almoço se juntam nos passeios perto de obras e oficinas. É raro estarem sós, normalmente manifestam-se em grupo. Há sempre um mais ousado, é este que profere as "petit phrases" grotescas e pouco originais. Os outros comunicam por cotovelásios entre risadas abertas e sonoras. Quando os cotovelos se juntam há um olhar cúmplice entre eles, quase sexual. Façamos um pause, se olharmos para a cena em slow motion, reparamos que os cotovelos se tocam com o objectivo de chegar ao tronco do outro, o olhar é expressivo do desejo "hum, senão tivesse aqui ninguém...hum...ai...esses pelos a sairem da camisa...", e contorcem-se como crianças. A piada não pode vir da vigésima quinta mulher que ali passa, e consequente vigésima quinta boca. O riso, a gargalhada vai mais além...
Será que Freud ou o Google têm justificação para esta teoria?

MelÓDrama

Quero... eu quero... eu também quero ir... saudades tenho... quero ter... de mim ... também quero... eu também quero ir... quero ter ... também quero ... saudades .. de ti ... quero... eu também quero... quero ter... saudades... eu quero... também quero ir... quero... quero ter... eu quero ter... também quero... também quero ir.. as saudades quero... eu quero... quero tudo... quero agora... saudades... quero... eu quero... e ainda quero mais

Deste este dia, passou muito tempo...

Amadurecem as pombas em voo picado e soltam-se finalmente dos ramos.
O sol ensurdece-me mas não queima a pele para sempre branca e o desenho azul das veias são arabescos na paisagem de Inverno. As árvores serão para sempre frondosas e a minha vida é eu pensar nelas.
Páro indiferente e tenho das coisas uma memória sumida. Apetece-me coisa nenhuma e ponho nisso todo o meu sentido.
A minha vida passa-se totalmente nos sítios onde não vou e o tempo passa e desacredita-me todas as conjugações do verbo.
Não tenho saudades de nada. As mãos onde deveria ter guardado as saudades baloiçam suspensas no ar. Num quarto fechado, e eu perdi-lhe a chave.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Passageiros

Passavam leves. Em frente os braços. E os seus braços eram rios, eram rios.
Passavam tão leves que a sua passagem era uma não passagem; um roçar suave dos dedos pela superfície material das coisas.
As marcas que deixavam, eram uma tortura dolente. A espraiar-se, amolecida.
Um não sei quê que incomoda e agrada.
Válidos até pela sua ausência, abriam insuspeitados as portas do continente perdido de Mu.
E nós entrávamos por elas...

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Os olhos

Os nossos olhos são a cicatriz dos dias em que vivemos.
Trazê-los assim abertos, a meio do espanto e das promessas. Trazê-los à nossa frente em sinal de dádiva e como uma bandeira... os nossos olhos são a ressaca das ondas e o estorvo da memória.
É com as mãos, com as naturais mãos, que se abrem trincheiras e se fala de amor.

Inúteis infernos

Mordo as unhas. Mordo ainda a língua e os lábios para que de mim não nasçam mais palavras absurdas.
O teu corpo é uma muralha de anjos invulgares.

domingo, fevereiro 05, 2006

Desencontros

Desencontro-me e encontro-me...
Há pessoas que se desencontraram e se voltam a encontrar,
numa realidade confusa e trágico-cómica.

O despertador toca, atendo o telefone. Do outro lado uma voz desesperada por um ombro amigo. Dou o ombro, a mão, as pernas e os dedos do pés. O primeiro encontro acontece às 10 da manhã.

O dia passa sorrateiro e acontece o segundo desencontro do dia, o primeiro foi quando acordei e me apercebi que estava ali a dar mãos e pés a um reencontro.

Por fim, já de noite...e é aqui que me encontro.
mais informações sobre qualquer paradeiro neste blog a todas as horas

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Pensamento do dia

"Deus queira que a puta da velha (leia-se a sogra da Adelinda) não morra amanhã para não ter de trabalhar no fim-de-semana".
Pelo menos ninguém tornava a chatear a velha...

Ontem o nossoautista teve um pesadelo...


Ontem senti a dor do mundo. Um exército de cobradores da tv cabo marchava na minha direcção ao som do êxito do Pedro Abrunhosa "Eu tou aqui"!

Lista de palavras que nos podem ser úteis nunca se sabe quando...

água - balões - adultério - ondas - assassínio - honra - mulheres belas - tortura - algodão doce - toupeiras - canhões - filhos varões - biscoitos caseiros - América - castiçais - beijos - erva-doce - olhos azuis - Primavera - dentes bons - língua - doravante - branco sujo - lamaçais - bolas de sabão - a infância - Roma Antiga - romarias - trapos - Maquaivel - gatinhos - pinheiros bravos - mar - caracóis - prados - papoilas - casas velhas - amarelo - trevos - bronze - sopa de feijão - antes - rosas e lilás - pedras redondas - novelos de lã - sal - a pele - língua - repetida - fundo -
longe - um dia.

Uma lista estúpida

Lista das coisas que não nos deveriam acontecer:
- os motoristas de autocarro não deveriam conduzir se tomados de instinto suicída, nem toda a gente se quer espetar contra a camioneta da "Família Frost".
- os sapatos não deveriam fazer-nos feridas nos calcanhares, especialmente quando estamos muito longe de casa
- os homens sós não deveriam abordar as pessoas que estão a ver o mar em sítios isolados a oferecer boleia
- as nossas mães não deveriam sofrer de doenças graves
- o sabor das pastilhas elásticas não deveria acabar passados dez segundos de as termos posto na boca
E há mais...

Só para dizer...

que sou fidel por vocação...

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Afinal quem é que manda aqui?

Estacionar o carro. A dor de cabeça de todos os dias. Onde e como. Será que vai caber ali? Acho que estou a ver um lugar...não... é proibido. E lá andamos às voltas, até que depois de uma curva, quando só queremos é ir para casa, lá está ele, a apontar interruptamente para o possível estacionamento, com movimentos interruptos e circulares sobre o cotovelo. Passo eu, passa o próximo carro, olho pelo retrovisor e lá continua ele. Talvez daqui a uns anos esta possa ser uma doença comum a estes trabalhadores: artrose circular no cotovelo. Mas quando não queremos ir para casa e só queremos parar de andar às voltas, o estacionador e o seu movimento constante fazem-nos suspirar de alívio. E o melhor, é que por uns trocos permitem-nos estacionar nos sitios mais rentáveis para a policia municipal. Garantem-nos com os poucos dentes que lhe restam que ali não vamos ser multados. A verdade, é que sempre que arrisquei nunca a policia me chateou. Numa altura em que falam numa nova secreta à margem da lei, lanço aqui a dica: são eles. Eles estão acima da lei, acima do trabalho, acima dos impostos, acima do serviço nacional de saúde...acima de tudo. Mas não lhes posso apontar o dedo quando em nome do cliente até chegam a remover obstáculos.


E além disso vendem histórias. Ou porque a mulher está a morrer de cancro e eles não têm dinheiro para o autocarro para a visitarem , ou porque simplesmente a vida é terrível e não há dinheiro para comer, ou porque ontem ajudaram um camelo a estacionar...

E nós lá vamos contribuindo todos os dias, para que eles continuem a ver camelos nos estacionamentos e nos continuem a gritar "destroce"!

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O Sono

Luar e peixes. Os braços cansados de flores e de sono.
Recordar-se-á sempre dela no passado. O ventre quente, de manhã, muito cedo.
Pousava a cabeça na manhã e no ventre.
Recorda-se da pele entre os seios: salpicada de sinais. E dos pulsos azulados por miríades de veias finas.
Sentava-se na cama a olhá-la. À luz pobre das persianas cerradas, o peito sobe e desce a intervalos regulares.
Abandonada no sono e perdida em reinos distantes. Ela, abandonava-a também.
Acostumou-se a olhá-la enquanto dormia. Sentada na borda da cama. Com o olhar sacrílego de quem viola jazigos.
Era este o seu segredo: sempre suportara mal adormecer ao lado do seu corpo. Partia antes de ela acordar. Constrangida.
Para regressar à tardinha - os olhos sujos de mundo e de medo, marejados de promessas. Pesados, pesados de espanto.
Abria devagar a porta do quarto: o soalho rangente, o calor tépido dos objectos banais. O calor brando do corpo dela estendido molemente na cama.
Abria devagar a porta do quarto e caminhava em silêncio para o círculo macio dos braços que ela lhe oferecia.
Luar e peixes. Os olhos cansados de flores e de sono.

O 1º Dia de Trabalho

... ai ...

... ainda me falta tanto para a reforma...

Rantanplan dixit

Iniciação ao verbo

Matriz sagrada. Mora em mim sempre eterna. Irmã do Oriente. Mistério das vinte e quatro pétalas. Rosa mística. Minha cruz.

Concurso Público para a Pasta do Ministério do Desemprego!

Declara-se aberto o concurso público para o cargo de Ministro do Desemprego. Os candidados devem possuir uma data de coisas, como o B.I., declaração médica em como percebe aquilo que se quer dizer, carta de condução,etc.