Último golpe é a frase que se ouve a seguir a soar o gongo e que anuncia a última hipótese de fazer apostas numa mesa de jogo tradicional dos casinos, na gíria, o pano verde.
O jogo tradicional obecede a uma elegância circense, com os pagadores de banca direitos e impecavelmente vestidos, posicionados por trás dos parceiros ao toque das horas, na roleta e ao toque das meias horas, no dado. Esperando pacientemente a sua vez de ocuparem lugares à bola e a pagar jogo. Nos corredores do casino que não estão disponíveis ao público, respira-se um ambiente teatral: pagadores com as gravatas desapertadas juntam-se às cozinheiras e às bailarinas cubanas num élan de plumas e cheiro a fritos, sentados em grades de cerveja vazias. Fumam-se muitos cigarros.
O senhor Mendanha é pagador de jogo. Tem um ar de extrema elegância, que comprova um dia ter existido nobreza de sangue em Portugal e uma voz contida e apocalíptica. Os pagadores, reunidos pelos corredores, assemelham-se a um convénio da costureirinhas, com os seus diz que disse e "viste aquela tipa". O senhor Mendanha fuma interminavelmente. Ficavamos sempre os dois, camisas desapertadas e cigarros acesos antes do chefe de sala afixar os pagadores da hora seguinte.
O senhor Mendanha é brazonado, interessa-se por hieráldica e por muitas outras coisas.
"Sabe minha boa amiga, não pude realmente ir ao jantar do clube monárquico". E explicou:
"Imagine que jantava com os meus pares e passava um agradável serão. Imagine ainda que mais tarde essas pessoas vinham jogar ao casino. A minha amiga bem sabe que aqui lidamos com gente de toda a espécie, que temos de digerir muita coisa, mas, que um dos senhores com quem eu tivesse jantado me oferecesse uma grojeta, isso, eu não saberia digerir". Está explicada a nobreza do senhor Mendanha.
Encontrei-o hoje, sempre efusivo e de gestos clássicos. Estendeu-me a mão e as suas recomendações sentidas.
Lembrei-me dos serões nos corredores do casino.