segunda-feira, dezembro 18, 2006

Inconveniências

Penso nos meus amigos mais chegados... todos eles com um ar tão conveniente e arrumadinho. Eu sou aquela que está sempre a deixar cair coisas ao chão. Especialmente o saco. O meu saco está sempre a cair ao chão, em ataques de teimosia mesquinha, revelando - para meu embaraço - todo o seu conteúdo: boiões de creme, tampões, colheres de café, rebuçados, lenços de papel, ganchos de cabelo e chaves de fendas. Nunca me sobra intimidade nenhuma. Volta meia volta e trás! Cai-me a vida ao chão em lugares públicos. Geralmente é nos corredores de centros comerciais, mesmo ao lado das escadas rolantes, que é para toda a gente ver com indiferença e em câmara lenta.
Baixo-me. Tento enfiar tudo outra vez lá para dentro de forma metódica. Estou tão habituada que este despudor não me atrapalha minimamente...
Depois penso: e se em lugar de deixar cair o saco, o mal que não seria (o bonito que isso era!) se me caisse assim o coração, por trazer o peito mal fechado e tombasse revelando o seu interior. Por exemplo na secção de frescos de um hiper-mercado.
O meu coração gaiteiro, tinhoso e tosco a dizer-me "Toma lá que já almoçaste..."

domingo, dezembro 17, 2006

Vai-te foder...

Estava capaz de te telefonar para te dizer apenas "Vai-te foder."
Apareces na minha vida nas alturas menos próprias: antes durante e depois. E instalas-te, como se fosse um direito adquirido, a atezanicar-me o juízo.
Chega-te para lá que eu preciso de respirar.
Chega-te para lá que a tua ausência dá-me ganas de partir coisas - o que é bom, é o início do processo criativo.
"Vai-te foder" é a mesma coisa que "amo-te", mas sem parecer tão arrumadinho. É uma mistura de tesão, carinho e ardor em partes desiguais e todas prontas para explodir ao mínimo gesto que faças. Anda lá, mexe-te. Que é para veres que não estou a brincar.
"Vai-te foder" é amor à séria.
Como quando te peço que me maltrates. Claramente não estou a brincar. Com estas coisas não se brinca. Disfarça-se.
"Vai-te foder" é uma espécie de confissão, um "ganhaste", com medo de virar lamechas. É o meu coração a nu. Que não consegue pedir-te nada. Nem desculpa.

sábado, dezembro 16, 2006

O Processo

Oiço vezes sem conta… o mesmo… os mesmos sons, os mesmos significados… não quero aceder ao sentido! Não quero, mas…

A realidade encarregou-se de mo desvendar! Mesmo em frente aos meus olhos interiores, por isso… Já me fez sentido! Já não posso voltar atrás, parece que a vida é tudo isto!

Tristeza? Desilusão! Não com aquela intensidade! Fui sentido, fui-me desorganizando (um processo), mas agora… simplesmente, já sei!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

"The only way to get rid of a temptation is to yield to it."
Oscar Wilde
Nem vale a pena acrescentar nada. O que está dito, está - por sinal - bem dito.

Não tá fácil!

Apelo de um professor: façam filhos que eu preciso de dar aulas.
Apelo de um psicólogo: tratem-os mal que eu preciso de ter pacientes.
Tanto quanto me é dado observar, ainda que o povo não se tenha vindo a revelar muito fértil, pelo menos compreende que os profissionais clínicos também precisam de ganhar o deles e desancam nas criancinhas com um surpreendente requinte... são poucos mas bons.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Balão de ar quente

Diz-lhe que sou de fora. Olha, não lhe digas nada. Deixa-o estar... Quando lhe der a vontade, há-de ir embora. Contando que não me faça perguntas, contando que não me tente abordar. Diz-lhe qualquer coisa, se achares que é preciso... que sai agora da clínica e por isso não estou para conversas. Que me aborrece falar com estranhos, que fui educada num internato muito rígido, que tomei um àcido estragado, que me dói a barriga. Inventa alguma coisa tão despropositada e tão escorraçante que o afaste de vez do meu ângulo de visão. E depois, farias o favor de te vir sentar ao meu lado em silêncio. Respira e acompanha-me. Não saias daqui. Diz-me onde compraste o teu vestido. Acende-me um cigarro e chama o empregado de mesa, pede que nos sirva, vamos pagar o bilhete para o fim aos bocadinhos...

quinta-feira, dezembro 07, 2006

"Petitesses"

Então mas ninguém se ri? Podiamos ficar só nisto. É uma pergunta bonita, de teor dúbio e resposta de escolha múltipla. Facto é que ninguém se ri. É uma pena, algumas revistas médicas dizem que faz bem.
Eu não tenho a culpa. Está bem que fui eu que pintei a frase nos muros mais flagrantes da cidade, é certo que o tenho perguntado algumas vezes, a pessoas na rua. Afora o poema, tirando esta frase, que culpa tenho eu? Entupam para aí a ver se me ralo. Façam apenas o favor de ir estoirar longe para não sujarem a rua onde vivo, que é simpática. E se alguém pensa ouvir de mim um pedido de desculpas, acreditem antes em Deus. Dá menos trabalho e aconchega muito, agora para o frio.
Facto é que ninguém se ri. Constatando uns nos outros a ausência de esperança e de motivos, ausência de vontade, vá coragem... cravam no chão olhos absurdos e agora é que ninguém se ri. É pena. Diz que faz bem...

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Defeitos Secundários

"Like fishes in the sea and flippers in the Luna". Sonhei que a Bô Derek andava a cravar cigarros na praia e era de noite e mostrava as mamas que eram giras se bem que grandes. E depois sonhei com uma placa de néon enorme, com gambiarras à volta onde se lia a frase supracitada: "Like fishes in the sea and flippers in the Luna", que é como quem diz: são favas contadas. Desconheço qual o significado oculto destas coisas. Facto é que, há muito tempo que não sonhava com nada de que me lembrasse ao acordar. Teria gostado que este regresso à memória dos sonhos tivesse algo de mais bonito, um quê de telúrico e de oracular. Ou mesmo que tivesse sonhado com animais selvagens, menos mal. As mamas da Bô Derek é que eram totalmente dspensáveis (até porque ocupam muito espaço). Desconfio que foi devido à televisão, ainda dizem que nao influencia... pelo sim pelo não, nunca mais vejo as notícias.

"Histórias da Loucura Normal"

Ele chega. Ele chega sempre a correr, cheio de coisas para fazer noutros lugares. Eu sou este lugar. Ele, procura-me. Eu, peço. Ele chega e eu abro a porta primeiro e o corpo depois. Quando há tempo, abro também a alma. Ele nunca tem muito tempo mas atrasa-se sempre. Ele avança as mãos. Pertencem-lhe os meus seios entre os dedos e os dentes. Ele avança e eu apresso-me a oferecer o corpo todo. Tenho pressa (tenho urgência, o que é diferente) em entregar as partes mais recôndidas da anatomia. Ele estende as mãos e eu quebro o corpo para lho entregar, para lhe depositar nas mãos a boca e o sexo. Despojo-me da pele e dos membros para lhos dar ainda. Ele é muito belo, pelo menos aos meus olhos. Eu finjo que não reparo, que não vejo. Depois, meço-lhe a beleza com a boca. As mãos dele varrem-me o corpo, entram por mim, reconhecem-me o interior. As minhas mãos maravilham-se muito com o facto de ele ser palpável, de ter uma forma que, de tanto ansiar por ela, julguei ser irreal. Beijo-lhe a carne, chamo pelo seu nome - nomear é reconhecer. Devagar beijo-lhe o comprimento do sexo, fundamentalmente para que me perfure também a boca. Beijo-lhe o sexo porque é bom e sabe bem. A boca dele envolve-me os seios, desce-me o corpo e suga-o. Já não sou eu, sou coisas que lhe entrego, tremuras e a comtemplação do seu nome soletrado alto. Ele volta-me o corpo e eu sou a resposta às voltas que me dá e estremeço e tremo convulsamente. Ele sou eu, no fundo de mim, profundamente dentro de mim como um barco. Eu abro o corpo e peço-o inteiro. Eu quero-o muito e nem sempre sei como. Caimos finalmente um dentro do outro. Ele veste-se e eu não. Ele tem pressa - ele tem sempre pressa - eu desmarco a minha vida para não ter pressa de o receber.
- Dá-me ainda um beijo. Despe-se. Ofereço mais uma vez a contração do meu corpo à medida das suas mãos. Ofereço-lhe a boca e os braços. Cobre-me com a língua, com o hálito e com as mãos. Cobre-me com o corpo e eu quero. Bebo-lhe o sexo e limpo-lhe o corpo. É bom. Veste-se. Tem sempre pressa.
- Não vás.
-Tem de ser.
Não consigo perguntar mais nada. Digo-lhe que espero.